Partiremos, nesse argumento, de duas considerações: Para Lacan[1], o discurso é o que determina uma forma de vínculo social e que o produto da inserção de um ser falante em um discurso é o afeto. Eric Laurent[2] assinala que em nossa época – que aqui nos referimos como “em tempo de (des)conexões” – assistimos à uma tendência ao hedonismo e a um empuxo ao gozo solitário, marcado pelo consumismo.
É visível que a aliança entre a ciência e o capitalismo globalizado, somados à revolução digital, produziu mutações no discurso, logo no laco social e nos afetos! Entre seus efeitos mais imediatos estão a desvalorização dos ideais, que despencam em grande velocidade e uma reinvindicação do direito ao gozo – com os objetos, com o corpo – que o transforma em imperativo.
Em outras palavras, assistimos a profundas transformações nos vínculos sociais que afetam os nossos estilos de vida e os de nossa existência sexuada, mortal e falante.
Freud inventou a psicanálise sob a égide do amor ao pai e da interdição ao gozo. A interdição e a culpa pela satisfação dão lugar ao imperativo de gozo, que se revela sempre insuficiente. Essa mudança esclarece que as relações amorosas e sexuais são sensíveis às formas que o mal-estar na civilização assume. Como pode o sujeito (falasser) se situar, nesse contexto, no campo da sexualidade e do amor?
A VII jornada da seção- SP pretende abrir novamente essa questão, que já não é tão inédita, pois já há algum tempo nos debruçamos sobre isso em nossa comunidade analítica, porém com a certeza de que boas surpresas nos aguardam!
São os tempos do objeto a, mais-de-gozar, comandando a cena dos tempos de desconexão, conectando-se ao sempre mais um pouco, consumindo! Vemos assim que o Real também pode comandar quando o Simbólico é impotente, nada de questão, nada de dialética, o circuito pulsional impera à toda. Como agir então?
O que é certo é que em todas as épocas deliramos um pouco sobre nosso ser e sobre nossa sexualidade, e os sintomas são produtos desse delírio que cada um vai tecendo ao redor de acontecimentos de linguagem.
A Internet oferece a solução? Ao menos oferece a imagem a ser copiada e a ilusão do encontro, seja no sexo seja no amor.
A web passou a constituir, para muitos sujeitos (des)conectados um lugar para o Outro inconsistente e que não funciona muito bem e onde o sujeito se mantem fixado ao mais de gozar. Um isolamento típico do individualismo contemporâneo – a desconexão.
Por outro lado, a internet também acaba com a dificuldade contemporânea do estabelecimento de um laço social através da oferta de um espaço onde todo mundo tem lugar, todo mundo pode se conectar! Inclusive manter-se o tempo todo conectado, imersos em uma realidade virtual. Os usos são infinitos!!
Como resolver esse paradoxo? O corpo fica ou não de fora nas relações virtuais?
Eric Laurent, em uma entrevista publicada (colocarei referencia).. se pergunta: se o gozo é auto erótico, como conceber o laço com o Outro? Ele responde que é precisamente pelo afeto que vem tocar o corpo. O corpo, certamente, se goza, mas a angústia é angustia diante do desejo do Outro. Os afetos que tocam o corpo estão ligados ao Outro. Ele continua, a angustia é essa grande paixão freudiana, a hainamoration, amor e ódio ao mesmo tempo e estão ligados ao Outro.
O amor sempre demanda, pede sem parar, mais, ainda. O amor é impotente, mesmo que seja recíproco, porque ignora que é desejo de ser Um, disse Lacan no Seminário 20 [3], razão da relação dos dois sexos ser da ordem do impossível.
O sujeito contemporâneo, que não é menos sujeito da pulsão que antes, se encontra cada vez mais tendo que tratar dessa questão em um mundo que concebe o amir e o sexo como sendo da ordem do calculável. Mergulhados em um espaço social onde o real do sexo é negado, o sujeito tem cada vez mais dificuldades em metaforizar.
O real do sexo é esse vazio, esse enigma que obriga o sujeito passar por significantes, para dizer o que ele quer dizer sem nunca conseguir completamente. Examinaremos quais as soluções encontradas frente à aceleração, a liquidez e o empuxo ao gozo. Pretendemos examinar, aprofundar estas questões. O que a clínica nos oferece ao tratar do mal-estar nesses tempos?
[1] Lacan, J. Seminário 20: mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1982 p 99
[2] Laurent, É. “Desigualdade entre los sexos” In El Outro que no existe y sus comités de ética. Buenos Aires: Paidós, 2005. P 181
[3] Lacan, J. Seminário 20: mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1982, p. 14.