(Miller, Le partenaire-symptôme, 1998)

Bom dia a todos,

É uma alegria imensa — e também uma honra — abrir as XIII Jornadas da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção São Paulo.

Agradeço, desde já, aos colegas, às comissões, à diretoria e ao conselho, e às companheiras aqui na mesa — todos os nomes serão mencionados ao final, com o reconhecimento sincero de quem sabe que uma Jornada como esta só se constrói a muitas mãos.

Também agradeço, de forma muito especial, pelos 76 trabalhos enviados à nossa Jornada Clínica e pela presença das 300 pessoas aqui hoje. Estamos com lotação máxima, e isso nos enche de alegria e entusiasmo.

É comovente ver este auditório cheio. Cada presença aqui, à sua maneira, já anuncia o tema que nos convoca — No fundo… é muito amor à causa!

E se não tivesse o amor?

Talvez nenhuma palavra tenha atravessado tanto a história da psicanálise quanto o amor…Para Lacan, o amor é apaixonante.

Como já foi lembrado em nossas preparatórias, falar de amor é sempre um risco: o de cair no sentimentalismo, no fascínio, o de repetir o que já foi dito. Mas é também uma necessidade, porque o amor continua sendo um dos nomes do que, na vida e na clínica, mais nos convoca.

A experiência clínica mostra como, nos jogos do amor, os laços se constroem e se desfazem na cadência acelerada do instante — um gesto mínimo basta para começar ou terminar uma relação.
Nessas tramas, o amor pode aparecer — e é aí então que o jogo começa. Como se diz por aí, o amor é pra depois. Mas ele também desaparece, às vezes de forma abrupta, deixando o amante atônito diante do silêncio, sem palavras diante do que resta. (love bombing e os ghostings)

A propósito desse ponto, lembrei do trabalho da artista francesa Sophie Calle. Em 2004, ela recebe de seu companheiro um e-mail de rompimento, encerrado com a frase — “Cuide-se”.

Sem conseguir responder, ela encaminha a carta a 107 mulheres de diferentes profissões — pedindo que cada uma a interpretasse à sua maneira. Reunindo vídeos, textos e fotografias, constrói a exposição “Cuide-se”. Sophie escreve: “Analisá-la, comentá-la, cantá-la, dissecá-la. Falar no meu lugar. Uma maneira de sentir o tempo do rompimento. No meu ritmo. Cuidar de mim”.

Esse gesto, íntimo e coletivo ao mesmo tempo, lança uma pergunta que atravessa qualquer história de amor: o que é que leva alguém a se apaixonar? E, junto dela, outra pergunta inevitável: o que leva o amor ao seu fim?

Lacan adverte: o drama humano não se situa no campo das observações. Não se trata da psicologia dos temperamentos, nem da constituição moral ou afetiva dos indivíduos. O encontro e o desencontro amoroso não se explicam pelo que cada um é, mas, pelo modo como o desejo se estrutura e se endereça ao Outro.

Para entender o que está em jogo no amor e numa ruptura, é preciso lembrar uma indicação precisa — e preciosa — de Lacan: a relação sexual não existe. Todos os dizeres sobre o amor nos conduzem a essa constatação.

Isso quer dizer que os seres que falam não se acoplam no nível do significante — isto é, as palavras não dão conta de fazer duas pessoas se tornarem uma só —, mas no nível do gozo, ainda que esse acoplamento jamais seja total nem garanta uma relação complementar ou harmônica. O furo que se abre no significante é, muitas vezes, recoberto por camadas de sentido, mitos e miragens que buscam velar esse impossível.

É por isso que o amor é sempre doloroso. Não causa espanto, então, que os discursos da ciência e do capitalismo o expulsem, pois, esse amor, feito de falta e de resto, não serve como promessa nem como mercadoria.

Vemos, portanto, que essa operação de Sophie Calle é, em si, profundamente psicanalítica: devolve a palavra ao campo do Outro, abre espaço para que o significante circule, se multiplique e revele algo do impossível de dizer — fazendo da dor uma invenção e do amor perdido, um campo de criação. No entanto, o que também se evidencia é que esse movimento coletivo não transforma todas as vozes em Uma, nem resolve o impossível do trauma.

Já no âmbito da nossa clínica, para que uma análise se inicie, uma pequena ruptura é necessária — afastar-se um pouco do outro, e também do próprio diálogo interno, para dirigir a palavra a alguém que sabe se calar. Instalado o amor transferencial, as frases se transformam, as verdades se desvelam. E percebemos que, ao falar do parceiro, falamos de nós — de nosso modo singular de amar.

Aquilo que, no início, se apresentava como uma queixa diante do insuportável do parceiro revela-se, enfim, um modo de funcionamento. O verdadeiro parceiro se mostra, ao longo da experiência psicanalítica, não mais como o companheiro ou a companheira, mas como o real — aquilo que o sujeito encontra como impossível de suportar. O parceiro amoroso pode ser justamente aquele que encarna ou aloja esse objeto privilegiado, o objeto de gozo que
veio marcar e indexar o real.

Diante de tantas formas de contornar o impossível da relação sexual, sabemos, com Lacan, que o amor pode ser uma delas, funcionando como um véu ou um tampão — mascarando e revestindo essa impossibilidade estrutural.

Jacques-Alain Miller, ao comentar Lacan, nos lembra que o amor que interessa à psicanálise é um outro amor: não o edípico, preso à lei e ao ideal, mas aquele que transborda o limite, sem se perder na caricatura da paixão sem borda.

Esse outro amor nasce quando o sujeito aceita amar também o próprio inconsciente, fazendo existir — não a relação sexual, que é impossível —, mas uma relação simbólica. A análise não sustenta um amor que encobre, e sim um amor enraizado no impossível. Um amor que reconhece a assimetria, a incompletude e o desencontro, e que, ainda assim, constrói, de forma singular, um modo de estar junto.

O amor torna-se, então, uma via de saber: uma forma de tocar o gozo, de circunscrever o resto que não se diz, mas que insiste.

É por isso que abrimos estas Jornadas — Jogos do Amor, Parcerias Contemporâneas — com a intenção de escutar de todos os participantes o que o amor tem de jogo e de impasse, de risco e de criação, alertados para o fato de que, nos jogos do amor, não há vencedores: há apenas aqueles que se permitem jogar… mais uma vez.

Está dada a largada !!!