Sobre o impossível, o falasser escreve em seu corpo por suas vias de gozo, vias pelas quais transitam uma satisfação repetitiva, desde sempre. Em tempos de desconexão, esse impossível de ser escrito, ou seja, a inexistência da relação sexual, não apenas se mostra, mas também se coloca como matéria e objeto de fetiche e de consumo.
São os tempos do objeto a comandando a cena, e não mais o do amor ao pai, conectando-se sempre ao “mais um pouco”! Essas mutações no discurso dos tempos atuais se vêem ecoadas nas relações amorosas e sexuais, sensíveis às formas que o mal-estar na civilização assume.
Como se situam os sujeitos (falasser) nesse contexto, no campo da sexualidade e do amor?
Com Lacan sabemos que todo discurso que se aparenta ao capitalismo deixa de fora, foraclui, isso que chamaremos – as coisas do amor, ou seja, a castração. Há uma reformulação hedonista moderna que propõe fazer do amor um contrato, no qual cada um poderia saber de antemão aquilo que investe, o que esperar do outro e o que recuperar do mal-entendido[1].
Diante disso, perguntamos: quais as soluções encontradas pelos sujeitos frente à aceleração, a liquidez e o empuxo ao gozo? Pelo que se mostra, a internet oferece uma solução. Mas, que solução é essa?
A web sem dúvida se constitui atualmente em um lugar privilegiado de conexões amorosas e sexuais e de impasses sintomáticos dos sujeitos contemporâneos. Essas relações, deixam ou não o corpo de fora? Evidentemente, o gozo do Um, autista e masturbatório é muito presente na internet, notadamente através do pornô e de jogos, mas igualmente acontecem na internet encontros amorosos, amistosos, intelectuais e traumáticos[2].
Pretendemos abordar quais são as consequências clínicas dessa constatação sobre a expressão dos desejos e dos gozos e para isso será necessário partir do final do ensino de Lacan e das consequências da sua formula – “O Outro, é o corpo”. Se o gozo é auto erótico, como conceber o laço com o Outro? Precisamente pelo afeto que vem tocar o corpo, segundo Eric Laurent[3]. “O corpo, certamente, se goza, mas a angústia é angústia diante do desejo do Outro.
Em outras palavras, assistimos a profundas transformações nos vínculos sociais que afetam os nossos estilos de vida e os de nossa existência sexuada, mortal e falante. Para o psicanalista, a orientação de Lacan é clara: “Que antes renuncie a isso, portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. “[4]
A VIII jornada da seção- SP pretende abrir novamente essa questão, não tão inédita, pois há algum tempo nos debruçamos sobre isso em nossa comunidade analítica, porém com a certeza de que boas surpresas nos aguardam!
Veridiana Marucio
[1] Leguil,C. Les amoureuses, vouyage au bout de la feminité, Paris, Seuil, 2009, p 9.
[2] Leduque,C. Préambules à une clinique du réseau, Internet avec Lacan, La Cause du desir 97, Paris, Navarin Editeur, 2017, p 73.
[3] Laurent,E. Disharmonie, Affects et Passions, La cause du Desir 93, Paris, Navarin Editeur, 2016 p 9
[4] Lacan, J. (1953) Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.