Cinedebate Campinas -Argumento

Estamos atravessando um período onde a violência, o racismo e a segregação assolam cada vez mais a sociedade. Este período exige que todos nós participemos mais do debate público. A

Escola Brasileira de Psicanálise tem como diretriz contribuir e interagir com a sociedade para

fazer avançar esse debate.

O cinema, por ser um espelho que reflete a desordem atual e os diferentes discursos em relação

às suas raízes e soluções, é um objeto muito relevante de análise e discussão. Dessa forma, propomos em 2016 uma série de atividades, nas quais, após a exibição de um filme que aborde as questões levantadas acima, contaremos com dois participantes de diferentes áreas do conhecimento que animarão o debate com o público.

A primeira dessas atividades ocorrerá no dia 4 de março de 2016, na loja Fnac do shopping Dom Pedro, na cidade de Campinas. A entrada será franca.

Justificativa

Como os psicanalistas respondem à violência, ao racismo e à segregação?

Esses fenômenos questionam o analista tanto por sua recorrência na história como pelas novas

formas que vêm se apresentando.

A ética da psicanálise implica que o analista identifique a multiplicidade das faces do mestre contemporâneo e saiba ler seus novos arranjos e que, ao mesmo tempo, se mantenha êxtimo a este. Isso coloca uma dimensão política para o analista, como um deciframento do movimento simbólico de sua época.

O psicanalista francês Jacques Lacan anteviu a intensificação desses fenômenos em nossos

tempos. Ele considerou que o nazismo, longe de ser um acidente monstruoso, deveria ser visto

como o precursor de um processo desencadeado pelo remanejamento dos grupos pela ciência,

que faria com que “… nosso futuro de mercados comuns encontrasse seu equilíbrio na extensão,

cada vez mais dura, dos processos de segregação” (Lacan, 1968, p. 29).

Com essa iniciativa, a Escola Brasileira de Psicanálise quer promover o diálogo com outros

campos do saber em relação à violência, à segregação e ao racismo, ciente de que fenômenos

tão relevantes não podem ser tratados de maneira unívoca.

Nosso objetivo é o de levar à cidade um debate instigante através do cinema, seguido de uma boa conversa, com uma linguagem acessível e que possa atingir um público bastante diversificado.

Atenciosamente,

Veridiana Marucio

 

Release – A Escola Brasileira de Psicanálise promove ciclo de debates na Livraria Cultura

“Cinedebate” discute violência, racismo e segregação através de obras cinematográficas

 

No próximo dia 01 de setembro de 2016, a Escola Brasileira de Psicanálise organiza a segunda atividade de um ciclo de debates que, através da exibição de filmes, promove a discussão entre psicanalistas e outros profissionais sobre a violência, o racismo e a segregação. O evento acontecerá na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi.

 

O filme escolhido para esta sessão é o premiado “Ida” (2013), do polonês Pawel Pawlikowski. Ambientado na Polônia, no início da década de 1960, o filme conta a história de Anna, uma garota de 18 anos que prestes a se tornar freira é confrontada com um passado desconhecido, revelado por sua tia Wanda, uma promotora de justiça do regime comunista polonês. Anna descobre que seus pais, judeus, foram mortos pelos nazistas. Na jornada pela busca dos corpos de seus pais, Anna se confronta com o antissemitismo, com as cicatrizes da guerra e com suas próprias escolhas.

 

Como uma menina se faz mulher no contexto de ódio que produziu os campos de concentração e extermínio durante a Segunda Guerra Mundial? Esta trajetória singular, no momento de elevação do discurso de ódio às diferenças ao status de política de governo, é o que nos interessa para provocar um debate sobre a segregação, o racismo e violência hoje”, comenta o psicanalista Eduardo Bueno.

 

Após a apresentação do filme, além de Bueno, as psicanalistasVeridiana Marucio e Patrícia Badari e o filósofo Douglas Ferreira Barros debaterão com o público, buscando uma linguagem acessível. “Nosso objetivo é o de levar à cidade um debate instigante através do cinema.Será uma boa conversa com um público bastante diversificado”.

 

Comentário

 

Em 01 de setembro último realizou-se mais um Cine-debate em Campinas, que tem como eixo o tema “Segregação, racismo e violência”. Este encontro coordenado por Verdiana Marucio teve a participação do Prof. Dr. Em filosofia Douglas F. Barros da PUC Campinas, Patrícia Badari EBP-SP/AMP .

 

O filme escolhido para esta ocasião foi o premiado “Ida” (2013), do polonês Pawel Pawlikowski. Ambientado na Polônia, no início da década de 1960, o filme conta a história de Ida, uma noviça de 18 anos que antes de fazer seus votos e tornar-se freira é convocada pela Madre Superiora a conhecer sua história. É a partir do encontro com sua tia Wanda, uma promotora de justiça do regime comunista polonês, que fica sabendo de sua origem judaica e do assassinato de seus pais.

 

Este comentário sobre o filme foi a base de minha contribuição para o debate. Destaquei três cenas do filme que proponho como pontos do circuito percorrido pela jovem Ida.

 

A cena inicial do filme nos mostra Ida, então Ana, restaurando a imagem de Cristo. Tomo como ponto de referência para o que Lacan chama de Declínio do Nome do Pai, não sem as tentativas de restaurá-lo. As experiências de Estados Totalitários à esquerda e à direita podem ser assim entendidas. Ida vive o momento do fracasso do III Reich e tentativa de superação do capitalismo via Estado Comunista.

 

A segunda cena que destaco é o encontro com a Tia, Wanda a Vermelha. Abruptamente é retirada de sua posição de nada querer saber sobre sua história com a revelação de seu nome próprio Ida e sua origem judaica. Interessante ressaltar que o significante judia, ignorado por Anna, agora Ida, era negado pela tia para que se inserisse na “nova Polônia” em construção pelo Estado Comunista. Na busca pelos corpos dos seus pais vemos as duas judias se depararem com o recalcamento do significante Judeu, ninguém quer falar sobre os judeus.

 

A terceira cena é aquela em que acontece a negociação entre Ida e o assassino de seus pais e primo. Ela abriria mão da posse das terras da família tomadas pelo assassino e em troca ele entregaria os mortais. O assassino pede algo mais que seja deixado em paz. A paz que não foi conseguida com a tentativa de extermínio do objeto rejeitado, os judeus, seria garantida pelo esquecimento. Sabemos que não.

 

Depois disso passamos a acompanhar os efeitos desse encontro para as duas mulheres e as soluções de cada uma. Wanda após o encontro com o corpo do filho morto, reúne as fotos que restaram da família, tenta restaurar imaginariamente um lugar no mundo. Nada diz, nenhuma palavra dirigida ao Outro, nenhuma possibilidade de testemunho do horror do extermínio, ejeta-se da vida pela janela. Ida, após uma noite de paixão e o encontro com o amor de um homem, responde ao seu convite para uma vida a dois desvelando o semblante com uma simples pergunta: E depois? Diante das respostas sempre insuficientes do seu parceiro, retorna ao trabalho de restauração da função paterna.

 

Como previu Lacan, o fim da guerra não eliminou os campos de concentração. Pelo contrário, generalizou-os. O que são os campos de refugiados espalhados pelo mundo? E todos os impasses das sociedades multiculturais? Eric Laurent em Racismo 2.0 publicado em Lacan Cotidiano 371 esclarece a lógica da segregação apontada por Lacan na “Proposição de 9 outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola”, (Outros Escritos):

 

Quando Lacan escreveu esse texto, a barbárie nazista estava próxima. Começou por considerar o Judeu como aquele que não goza como o Ariano: um homem não é um homem porque não goza como eu. Ao contrário, pode-se sublinhar que, nessa lógica, se os homens não sabem qual é a natureza do gozo deles, os homens sabem o que é a barbárie. A partir de lá, os homens se reconhecem entre si, e não sabem bem como. E depois, subjetivamente, e um por um, eu me precipito. Afirmo ser um homem, com medo de ser denunciado como não sendo um homem. Essa lógica coletiva se enovela em conjunto, a partir de uma ausência de definição do ser-um-homem, o Eu que se afirma e o conjunto dos homens, curtocircuitando o líder.”

 

Coordenadas cada vez mais úteis para pensarmos o momento atual que vivemos no Brasil e antevermos algumas conseqüências.

 

Eduardo Camargo Bueno

 

Release – A princesa e a Costureira

 

Nessa mesma linha, e com as mesmas justificativas da atividade de cinema –  levar à cidade um debate com uma linguagem acessível e que possa atingir um público bastante diversificado – apresentamos um outro debate a partir de um livro para crianças e pré adolescentes que aborda a questão de Gênero na infância, escrito por Janaína Leslão, premiado no Brasil e no exterior, que se disponibilizou a vir conversar sobre o assunto no dia 8 de abril de 2016.

“O livro conta a história da princesa Cíntia, que quando nasceu foi prometida em casamento para Febo, o príncipe do reino vizinho, para que se mantivessem os laços de amizade entre os reinos. Quando chegou a época da cerimônia, a princesa foi encomendar seu vestido e, então, conheceu a costureira Isthar, por quem se apaixonou. Quando Cíntia anunciou para os pais suas intenções com Ishtar e disse que não mais se casaria com Febo, seu pai mandou que a prendessem na torre do castelo, pois desafiou o interesse e a tradição dos reinos, que dizia que moças deveriam se casar com rapazes. Para garantir um final feliz, a princesa e a costureira receberão ajuda da irmã da princesa, do próprio príncipe, da Fada Madrinha e de uma Agulha Mágica. O livro pretende auxiliar famílias e escolas, tanto na discussão sobre a diversidade humana como sobre a luta mais ampla pelos direitos das pessoas LGBT”.

 

Comentário

 

No livro infantil A Princesa e a Costureira de Janaina Leslão, temas como adversidade étnica, orientação sexual e identidade de gênero foram abordados na história de amor, que se passa entre duas jovens em um conto de fadas.

Freud deu destaque, em seu texto de 1913¹, sobre a importância do lugar que os contos de fadas ocupam na vida subjetiva das crianças. Em algumas pessoas a rememoração de seus contos de fada favoritos realçam aspectos de suas próprias lembranças. São recordações da infância que os contos transformam em lembranças encobridoras.

Com Sergei Pankejeff, Freud vai trilhar aspectos da relação do sonho da Velha Nogueira e dos Lobos, tomando como pano de fundo o livro do conto: O Lobo e os Sete Cabritinhos. Freud está interessado na origem dos sintomas de seu caso clínico e trabalha decidido no esclarecimento do enigma presente, na cena que ele observa o coito entre seus pais e como essa participa na decisão estrutural da constituição do sujeito.

À luz da prática com crianças, se introduzirmos aqui a história do Pequeno Hans de 1905, vamos verificar como tão precoce ele já desacredita na história da cegonha e quer mesmo saber de onde nascem os bebês.

É através do enigma posto pelo nascimento de sua irmã Hana, que Hans investiga e trabalha de modo incansável sobre os temas da relação sexual, da presença e ausência, da vida e da morte e com suas perguntas, decifrar os índices da diferença sexual anatômica que ressoam em seu próprio corpo.

Para Sergei ser devorado pelo Lobo representa o índice de sua angústia, no caso de Hans o medo de ser mordido pelo cavalo é a manifestação de sua fobia. Em ambos os casos, essas duas histórias clínicas tratam de recolher os efeitos para cada um da interpretação possível de sua história, suas lembranças e o que cada um é nela.

O conto de fadas em questão traz uma contribuição delicada e instigante quando toma as crianças na posição de investigadoras de seus afetos, memórias, sentimentos, sua posição de ambivalência e responsabilidade no desejo de viver.

Ao contrário do tema da sexualidade e do amor ser posto como um tabu, no caso o amor entre duas jovens, ele é apresentado partindo da ideia que as crianças têm algo a dizer sobre isso.

O livro quebra o silêncio e vem para abrir o debate entre as crianças, os pais e educadores. Aposta e explora um lugar de imaginação e realidade, possível de ser nutrido pelas palavras articuladas em um discurso, no campo que constata as diferenças, a diversidade, a tolerância e intolerância com essas questões.

Emelice Prado Bagnola

FREUD, Sigmund. A ocorrência, em sonhos, de material oriundo de contos de fadas(1913). In:_ o caso Schreber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago,1996. P 305 a 310. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud)

 

Release- Cinedebate – Black Mirror

 

Vivemos tempos marcados pelo ódio e segregação. A conquista de direitos segue acompanhada pelo racismo dos gozos. Cresce o índice de feminicídio e violência de gênero, abuso sexual de crianças, crimes contra usuários de drogas, violência policial, violência no trânsito, ódio á imigrantes e refugiados.

O que há de tão perturbador e familiar neste outro a quem é preciso dominar/destruir?

Um índice de nossos tempos é que hoje tais notícias chegam ao público, em grande parte, veiculadas pelas mídias sociais, tais como o facebook e que permitem, muitas delas, uma série de comentários, likes e julgamentos.

Há um papel das redes sociais e da tecnologia na violência que hoje acompanhamos?

Essa é a discussão que o próximo Encontro de Cinema e Psicanálise, promovido pela Escola Brasileira de Psicanálise, em parceria com a Fnac, pretende abordar.

Como disparador da discussão assistiremos a um episódio da polêmica séria inglesa Black Mirror! No espelho negro despedaçado, o que se vê?

Nossos convidados para esse Encontro serão Marcus André Vieira, Psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise e Associação Mundial de Psicanálise e Tarcisio Torres Silva, Doutor em Artes Visuais – Unicamp e Professor do Centro de Linguagem e Comunicação da Puccamp, mediação de Patrícia Bichara, Psicanalista da EBP/AMP.

Coordenação de Veridiana Marucio, psicanalista daEscola Brasileira de Psicanálise e Associação Mundial