Conferência de Marie Hélene Brousse na I Jornada de Campinas setembro 2008

Estabelecimento- Veridiana Marucio

Eu gostaria de agradecer às pessoas que me convidaram para estar aqui essa noite, meus amigos da comunidade de trabalho que compartilhamos e também à universidade de Campinas. Sinto-me muito honrada de vir falar com vocês essa noite.

Pediram-me para dizer algumas palavras sobre a questão do diagnóstico em psicanálise, então o que vou dizer diz respeito à teoria e à prática da psicanálise e não tem a pretensão de constituir uma teoria do diagnóstico, já que, afinal de contas, diagnósticos se fazem em inúmeros campos do saber e em inúmeros campos de ação.

Por exemplo, quando temos um vazamento em casa o encanador deve então fazer um diagnóstico para saber de onde vem esse vazamento. Se o vazamento pára, o seu diagnóstico foi o correto.

O mais antigo diagnóstico, a utilização mais antiga dos diagnósticos, foi sem dúvida a medicina que colocou em cena. De uma maneira muito mais recente, a psicanálise, sem dúvida porque no início ela foi praticada por médicos, deu à questão do diagnóstico uma importância central, por questões teóricas e ao mesmo tempo por questões de eficácia terapêutica.

Então, o que é para nós um diagnóstico? Pois nós o fazemos o tempo todo! Nós não recebemos nenhum paciente sem, no decorrer de um certo número de sessões mais ou menos longo, fazer uma hipótese diagnóstica. Quando recebemos outros analistas para o que chamamos de controle ou supervisão, a descrição diagnóstica é freqüentemente um dos elementos fundamentais do trabalho.

Digamos então que o diagnóstico é primeiramente uma hipótese fundamentada sobre certo número de traços, os elementos clínicos, que pensamos serem pertinentes para cernir a estrutura do sujeito.

Mas eu queria imediatamente assinalar algo que a mim me parece muito importante: um diagnóstico remete sempre a uma classificação e a arte da classificação é um dos fundamentos das práticas racionais e científicas.

Mas para classificar é preciso eleger, escolher um certo número de critérios pertinentes. O problema está justamente aí. Quais são os critérios que nós escolhemos em psicanálise para compor uma classificação e do mesmo modo admitir um diagnóstico?

O que eu estou dizendo é uma verdade reconhecida por todos que quem diz classificação diz critérios de classificação. Fora do campo da psicanálise, um dos exemplos mais problemáticos que aconteceu durante todo o século XIX foi a classificação de raças a partir do traço – cor da pele.

A partir daí, a partir desse traço, se definiam classes, mesmo se esse traço não fosse tão significativo (primeiro porque é uma qualidade contínua, a cor, e segundo porque ela não depende do ambiente).

Isso não impediu aos antropólogos de funcionarem durante anos desse jeito. Hoje em dia, entretanto, isso não é de forma alguma utilizado em antropologia. Por exemplo, falamos de população que definimos a partir de marcadores sanguíneos e naturalmente isso não recobre outras classificações.

Se vocês trabalham com, por exemplo, as populações a partir de fenômenos sócio-culturais – como religião ou qualquer coisa do tipo – a classificação a partir dos marcadores sanguíneos não é muito interessante para vocês.

Por que eu insisto nisso? Primeiramente para dizer a vocês que os diagnósticos em psicanálise são ferramentas de trabalho, portanto eles se referem necessariamente aos fundamentos da prática psicanalítica. Eles são conseqüentemente subordinados à necessidade de sua operacionalidade.

Em segundo lugar, a razão pela qual eu insisto, é porque quando utilizamos um diagnóstico, às vezes, na medida em que os utilizamos, temos a impressão de que as classes das quais nos servimos são realidades materiais, ou seja, substancializamos o diagnóstico – é um psicótico. É um psicótico talvez para tal classificação psiquiátrica ou psicanalítica, mas é um diagnóstico inútil para outros, outros elementos do saber.

Portanto, um diagnóstico é relativo, ele não é absoluto e isso se confirma ainda mais quando vemos algumas vezes chegar alguns de nossos pacientes com histórias terapêuticas bastante complicadas e diagnósticos totalmente diferentes. Isso não significa necessariamente que as pessoas tenham se enganado, mas o que é certo é que eles não tinham os mesmos critérios.

Eu estou então tentando precisar quais são as particularidades, digamos, do sistema de diagnóstico psicanalítico. O diagnóstico psicanalítico não é estatístico e isso o diferencia do DSM, que este sim é estatístico. A nossa classificação diagnóstica não se repousa sobre um estudo estatístico da população de pacientes, mas sim sobre uma modelização de certo número de traços sintomáticos.

Então eu colocaria de um lado a modelização, que eu tentarei mostrar em qual princípio ela se inspira, e de outro a quantificação – a psicanálise não usa a quantificação da mesma forma de maneira geral que as disciplinas das ciências, incluindo as humanas, utilizam.

O diagnóstico não é estatístico, e sim estrutural. O que quer dizer estrutural? Eu vou evocar nosso fundador da disciplina, a saber – Freud. Poderíamos dizer que existe um sistema de classificação em Freud? Sim.

Eu serei muito simplista, porque é muito mais complicado que isso que vou dizer, mas podemos dizer que, digamos, de uma forma exata, o sistema de classificação de Freud é fundado sobre a estrutura da negação, as diferentes formas de negação que ele deriva em três: a forclusão, a denegação e o recalcamento.

Três modalidades da negação. Pois bem, a negação é em si e ao mesmo tempo um fenômeno de linguagem, um fenômeno lógico, um processo lógico e, além disso, Freud coloca esse aspecto em evidência, é um processo de limitação.

Portanto, de início, a questão da estrutura psíquica em Freud é ligada a questão do limite e é por isso que a negação se deriva na estrutura neurótica, por exemplo, em interdição – interdição do incesto.

Como vocês sabem, Freud faz disso o fundamento do complexo de Édipo e isso é algo que Lacan irá retomar. Ele retomará, além disso, se apoiando sobre as pesquisas de Lévi-Strauss, sobre a estrutura elementar do parentesco para demonstrar o funcionamento de sistemas de parentesco a partir da proibição do incesto. Vocês vêem que isto está ligado à negação, colocamos – incesto, e como escrevemos em lógica, a gente sublinha com uma barra e isso resultará em – interditado.

Todos os grandes casos freudianos se difundem em: psicose correlacionada à forclusão, neurose ao recalcamento e perversão à denegação. Temos então o caso Schreber que dá o modelo da psicose paranóica, o caso Dora que permite uma modelização da neurose histérica, o homem dos ratos que dá a modelização da neurose obsessiva, o caso Hans que dá a modelização da fobia e também há o caso, entre aspas, de Leonardo da Vinci que dá a modelização da perversão e depois temos as variações desses modelos

Tudo isso, tudo que permite fundar as categorias de referência, são fenômenos de linguagem e fenômenos que podemos abordar a partir da lógica do discurso. Eu vou lhes contar uma pequena anedota para mostrar o que é necessário a um analista para fazer um diagnóstico.

Eu fui convidada pela Columbia University Medical School (eles tinham vontade de ver como é que um lacaniano se daria com o tema doença mental) para fazer uma apresentação de doentes, e antes que eu encontrasse a paciente com a qual eu teria uma conversa – e só depois eu descobri que ela só aceitou essa situação, pois prometeram a ela que assim ela teria alta mais rapidamente, o que não foi uma atitude muito ética – enfim, me mostraram seu prontuário.

Um prontuário como os profissionais americanos sabem bem fazer – completo, e eu comecei a ler. Era muito sério, mas era completamente inútil para um analista. Por quê? Não havia nenhuma frase do paciente nesse prontuário, quando eu digo uma frase do paciente digo entre aspas, tudo aquilo que o paciente tinha dito nesse prontuário em diferentes entrevistas, tanto com o psiquiatra como com o psicólogo foi traduzido na linguagem do psiquiatra e do psicólogo. Inútil, não serve para nada!

Ou melhor, sim, me serviu para compreender como funcionavam o psiquiatra e o psicólogo, mas isso não me disse nada sobre o paciente.

Então o fundamental, a condição sine qua non para um analista fazer um diagnóstico é ter um texto do paciente, e eu digo texto, pois pode muito bem ser um texto escrito, como pode ser um texto constituído no decorrer de uma entrevista.

Isso demonstra que o campo da psicanálise – eu não estou dizendo que todos os diagnósticos psi devem ser feitos desse jeito, eu sei muito bem e eu discuto freqüentemente com colegas psiquiatras que funcionam de outro jeito e isso me interessa, isso é certamente útil, mas não permite a um analista fazer um diagnóstico analítico, pois a matéria da psicanálise é a fala do analisante, e vocês compreenderam o porquê – pois é a partir daí que extraímos os fenômenos da estrutura.

Lacan por muito tempo fez em Sainte Anne as apresentações de pacientes e era muito interessante ver como ele procedia nas conversas que ele tinha com esses pacientes. Entrevistas únicas, seguida de discussões com os cuidadores – pois a razão pela qual fazemos um diagnóstico não é só para fazer um diagnóstico, e sim para elaborar, vamos dizer, uma estratégia terapêutica.

Bem, Lacan era sensível a cada palavra do paciente e em sua primeira teoria, pois eu vou falar de duas teorias e aqui também é uma simplificação, pois temos mais três e não duas, enfim – as duas classificações operacionalizadas por Lacan.

Em sua primeira teoria então, os fenômenos psicóticos necessários colocar em evidência para se falar de uma estrutura psicótica, quais são eles? São traumas de linguagem, cujo fenômeno mais concreto é o neologismo, a alucinação (mas a alucinação na medida em que ela é dita e é com muita dificuldade que o paciente confessa suas alucinações – é preciso certa confiança para que ele possa falar delas), o fenômeno de certeza, certeza delirante.

Vocês então podem perceber que são fenômenos que estão ligados à linguagem e à fala e por isso para Lacan, em sua primeira teoria da estrutura psíquica: não podemos falar de psicose se não encontramos um desses fenômenos.

Por isso uma investigação extremamente precisa e extremamente rigorosa é muito incentivada e, além disso, eu voltarei nesse ponto, o estabelecimento de uma certa relação transferêncial sem a qual não há confiança para uma conversa possível, que seja uma transferência negativa ou positiva.

Então, sobre o que é fundamentada essa primeira teoria de classificação diagnóstica de Lacan? Podemos dizer que ela é freudiana, já que de fato ela é fundamentada sobre aquilo que Lacan chamou de – a metáfora do nome do pai – nome que ele dá, pois Freud havia chamado de Édipo, ou seja, a articulação à metáfora paterna como função limite.

Lacan retoma então a posição de Freud, mas ao invés de se apoiar somente na gramática e no mito, ele se apóia especialmente sobre os avanços da lingüística, já que ele define a metáfora paterna precisamente pela função metafórica, ou seja, substituição significante.

Eu lhes darei dois ou três exemplos que irão permitir que vocês compreendam a utilidade dessas ferramentas diagnósticas.

Na unidade clínica que trabalho, onde eu faço apresentação de pacientes com outros colegas que são psiquiatras (e um deles dirige o serviço), então, nesse serviço chegou uma mulher logo após uma tentativa de suicídio grave aparentemente ligada a uma ruptura amorosa. Não havia justamente um delírio, digamos, nem – ou pelo menos ela não falava – nenhuma alucinação.

Será que não havia, portanto nenhum fenômeno de linguagem? Não havia nenhum neologismo. Mas já que ela estava lá por ter feito uma tentativa de suicídio após uma ruptura amorosa, eu pedi a ela que falasse dessa relação amorosa. Afinal de contas quando tentamos nos suicidar por um homem que nos abandonou é porque esse homem é importante, e para a maioria das pessoas a parte mais importante de uma relação é o momento do encontro.

Então eu pergunto a ela como se deu o encontro e ela me responde: na rua. Fim do capítulo sobre o encontro. Isso é um fenômeno de linguagem! Porque eu chamo isso de fenômeno de linguagem? Não existe sentido metafórico. O encontro é – eu te encontro na rua. Não é o encontro de dois amantes, de duas sensibilidades, vocês vêem, não é “strangers in the night”.

Eu tenho um colega que contou que ficou chocado quando ele fazia sua formação de psiquiatra, que o permitiu inclusive compreender o fenômeno em questão. No corredor do hospital ele encontra um de seus pacientes com uma maçã e que parecia atrapalhado. Esse colega pergunta gentilmente: você quer que eu a corte? Em português não parece ser um problema, mas em francês quando dizemos cortá-la para alguém é uma referência sexual imediata, ou seja, é o significante da castração tal e qual, e então ele lhe deu um soco em sua cara, pois ele tomou as coisas em outro nível!

E o quê dizer de outro paciente que foi preso por ter matado sua namorada, e que tinha falado de seu ato dizendo: eu tinha aberto sua caixa torácica, pois eu queria saber se as mulheres tinham um coração. Ele tinha visto que ela tinha, mas, ela estava morta!

Aí está outro tipo de transtorno de linguagem que está ligado estritamente a uma limitação do campo da metáfora, ou seja, à dificuldade na substituição significante. E bem, é no primeiro Lacan que todos esses fenômenos simbólicos, e então a ordem que ele chama de simbólica – que tem um poder hierárquico superior ao imaginário e ao real – é levada em consideração para se fazer um diagnóstico.

Vocês vêem aqui, é um colega meu que se chama Skriabine que trabalha conosco na elaboração de uma nova, digamos, categoria clínica psicanalítica que fez esses dois esquemas que vou lhes mostrar.

Então, ele estabeleceu uma classificação sobre a qual nos fundamentamos o diagnóstico se nos referimos ao primeiro Lacan, ou seja, aquele para o qual o simbólico ordena os fenômenos imaginários e o real nos sujeitos. Dito de outra forma, que ele os ordena pela capacidade que tem o simbólico de capitoner as três dimensões. Pois para fazer uma metáfora vocês manejam ao mesmo tempo uma significação imaginária e uma substituição significante.

Eu vou tomar um poema de Victor Hugo. Uma mulher que diz ao seu amante: Você é meu leão soberbo e generoso. Bom, para fazer uma metáfora como essa é preciso, ao mesmo tempo, fazer desaparecer o significante homem, nesse caso, e o substituir por leão. Porém, isso implica uma referência ao imaginário, não apenas à imagem propriamente dita, mas desencadeia todas as significações imaginárias do leão – o rei dos animais, etc., etc.

Bom, como vocês vêem, ele retoma a categorização operada por Freud. Vocês encontram Verleugung, que é então a perversão apoiado sobre o desmentido. Vocês encontram Verleugung, que é o recalcamento e vocês encontram então Verwerfung que é então a forclusão.

De um lado vocês têm Verwerfung (foraclusão), Bejahung (afirmação). Do quê? Do nome do pai, e a partir da afirmação, temos a segunda diferenciação que se efetua entre desmentido e recalcamento.

Vocês vêem então que o fetichismo e a fobia não estão longe um do outro, e isso se deve ao papel que interpreta o objeto, já que no semninário IV Lacan retoma de um lado a fobia do pequeno Hans, e de outros casos de fetichismo para esclarecer o statuto do objeto em psicanálise. E é verdade que o objeto ocupa um lugar central como significante na fobia, assim como ocupa um lugar central na perversão fetichista.

Ali então vocês vêem escrito – A clínica diferencial na questão preliminar, “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” o que nos indica bem que Lacan considerava que se deveria demonstrar a operacionalidade da psicanálise sobre a psicose.

Precisamente ele a demonstra a partir de seu trabalho classificatório e diagnóstico, demonstrando que na psicose os fenômenos de linguagem são também tão importantes quanto o são na neurose. Se a psicose não fosse também, além disso, um fenômeno do discurso, o tratamento psicanalítico não seria adequado, já que se trata um tratamento pela fala.

Então, como é que Lacan vai passar e porque ele vai passar a uma segunda elaboração da clínica diferencial, uma segunda clínica diferencial? Ele havia certamente muitas razões.

Uma das mais importantes é a evolução da própria clínica. Da mesma forma que passamos da clínica psiquiátrica clássica (que foi notadamente eficaz em seu recenseamento da doença mental e fez descrições extremamente finas e classificações extremamente rigorosas), da mesma forma que passamos dessa clínica psiquiátrica clássica à clínica do DSM, ou seja, de uma clínica com poucas categorias para uma clínica, ao contrário, de múltiplos traços, bem, da mesma forma em psicanálise o múltiplo se impôs.

Os casos inclassificáveis nessa arquitetura estrutural se multiplicaram, e quando temos inúmeros casos inclassificáveis, quando não podemos mudar a realidade, é preciso mudar as categorias. É preciso mudar as classes, é preciso, portanto, mudar a referência.

Não é que Lacan tenha de alguma maneira, anulado essa primeira clínica. Ele a integrou em uma segunda que é mais potente e que tem uma característica: o simbólico não tem mais o valor hierárquico dominante. Isto quer dizer que Lacan valoriza o Imaginário, os fenômenos imaginários e os fenômenos reais, o que chamamos de Real, e lhes deu um peso tão significativo quanto ao simbólico na constituição do sujeito.

Lacan passou por um momento em que ele colocou a hipótese de que haveria vários nomes do pai. É todo um trabalho de demonstração um pouco complicado, pois ele articula o não da negação, que é um critério lógico, ao não da interdição, que não é um critério lógico.

Então ele retoma a formulação do Édipo demonstrando que hoje em dia, se assim posso dizer, as funções interditoras não estão concentradas sobre um só elemento. Dito de outra forma, que o pai perdeu sua unicidade, ou para dizer ainda de outra forma, menos familiarista, que as autoridades se multiplicaram, explodiram na sociedade contemporânea.

Nós não estamos mais em uma sociedade onde o poder é de um só como era o caso na monarquia absoluta ou mesmo na época romântica, e da mesma forma na família, o poder pater familias que era um, acabou se desdobrando em instâncias concorrentes.

Essa é uma característica da família moderna de hoje, ela não é mais patriarcal. Portanto, da mesma forma que as funções que dizem respeito ao pai se multiplicaram, passaram para o lado do múltiplo, então do mesmo modo o nome, o nome do pai, pode se multiplicar.

Ele propõe num primeiro momento três nomes do pai – eu levei um tempo para compreender porque ele propunha isso já que é de uma simplicidade infantil – o que ele propõe como nome do pai: a angústia, a inibição e o sintoma. Por quê? E bem, porque é a função limite que está em jogo nesses três pontos.

A angústia, ela faz você parar, ela te limita. Temos como exemplo o Pequeno Hans, ele não podia mais sair da casa dele.

Então, se você tem ataque de pânico, e você sabe que ele se desencadeia em certas condições, conseqüentemente você evita essas condições. Portanto, a angústia pode funcionar como nome do pai, ela te ordena, te organiza e fixa em teu mundo um certo número de limites, de condições.

A inibição também te limita. Por exemplo, se você tem uma inibição de falar em público como estou fazendo agora, isso te imita, tem um certo número de coisas que você jamais poderá fazer.

Você é inibido em sua relação com o outro sexo, conseqüentemente sua vida amorosa e sexual terá as marcas disso. Em certos casos isso é uma boa coisa, por exemplo, se você está mais do lado da foraclusão e que a diferença sexual não lhe é muito clara, ou mesmo extremamente ameaçadora. É bom que você seja um pouco inibido, e que no final das contas sua sexualidade possa se limitar a visitar sites pornôs na internet ao invés de encontrar uma mulher verdadeira que vai te perseguir e desencadear sua psicose.

Então a inibição é também um limite, e o sintoma evidentemente. O sintoma é um verdadeiro guia de vida, é na realidade o manual de instrução da vida. Sua vida é organizada com seu sintoma, e seu sintoma é organizado a partir da cadeia significante.

E fácil de se verificar em certos discursos analisantes, por exemplo, na neurose obsessiva onde quase todo o vocabulário gira em torno da esfera anal: eu não vou fazer isso porque isso “m’emmerde” (em português a expressão correspondente é – isso me enche o saco!) Em português não é assim? Ah!Como fazem os obsessivos em português?

Lacan começou então a considerar a possibilidade de uma pluralidade do nome do pai e considerou que o quê Freud chamou de Édipo (a metáfora paterna, a amarração pela autoridade do Um, sozinho, excepcional), ele começou então a considerar que o nome do pai de Freud, isto é, o poder de exceção dado a Um que define o conjunto de todos os outros, é um sintoma particular.

Ele então incluiu o que anteriormente era o fundamento da clínica em um conjunto maior. Ele vai colocar o nome do pai como um sintoma.

Isso é uma classificação então que nosso colega Skriabine tentou escrever a partir do que Lacan começou nos anos 70, ou seja, a utilização da topologia para modelizar o psiquismo. Talvez fosse necessário retornar para que vocês vejam o que é o nó borromeano.

Ele utilizou a topologia dos nós ditos borromeanos – aí esta – este é o modelo topológico do que vocês todos são, já que vocês são feitos de três dimensões: a dimensão do Imaginário, a dimensão do Simbólico e a dimensão do Real, vocês vêem, elas são iguais! Não há um que seja superior aos outros.

Eles são iguais e eles estão enlaçados, mas eles estão enlaçados de um certo modo – eles estão enlaçados de tal maneira que se retiramos um, os outros dois estão livres. Então não é o enlaçamento olímpico, já que se temos um nó olímpico de três, se retiramos um, os outros dois permanecem tranquilamente atados. Então toda essa clínica borromeana fala disso.

O imaginário – e nisso Lacan é fiel a ele mesmo desde o início de seu ensinamento sobre o estádio do espelho- o imaginário é a imagem do corpo, é o corpo como imagem, ou seja, como superfície plana. O Simbólico são vocês desde que vocês falem e de que sejam falados, porque antes de falar alguém fala de você, bem ou mal, falam! Isso depende em qual família vocês chegaram… E o Real é o organismo, o organismo que não pertence nem a um nem a outro e para que tudo se mantenha unido é preciso que esteja enlaçado.

Na psicose assistimos a momentos em que isso se desenlaça. Certos pacientes passam por essa experiência horrível de se levantar numa manhã e não se reconhecer no espelho. Isso deve ser horrível! É uma experiência que enquanto neuróticos também podemos ter de vez em quando, mas à qual damos rapidamente outro sentido.

Estou pensando em Freud justamente, que conta em um texto sobre a “Inquietante estranheza”. Ele está em um vagão de trem e vê um velho senhor no espelho e se pergunta: quem é esse velho? E ele se dá conta de que é ele.

Bom, isso não é um fenômeno psicótico, mas é um fenômeno em que a ligação com a imagem não é imediata, é preciso ser trabalhado. É um fenômeno onde o imaginário precisa ser recapturado pelo funcionamento simbólico, ou seja, sou eu, mas como eu envelheci, droga…

Skriabine então tentou fazer um sistema a partir dessas diferentes maneiras de se enlaçar os três círculos e ele retoma dos últimos textos de Laca, em todas as ocorrências onde ele dava indicações diagnósticas modernas de enlaçamentos borromeanos.

Então, atualmente nós somos um pequeno grupo que trabalha a partir de casos que recebemos nos diferentes CPTS ou outras instituições lacanianas anexas, para constituir categorias diagnósticas a partir dessa lógica, de maneira a não ter que responder às pessoas que nos dão subvenção com categorias que não são as nossas, já que, por exemplo, as categorias do DSM não são as nossas.

Nós gostaríamos de chegar a constituir um sistema de categorias suficientemente simples que poderíamos transmitir a pessoas que não são formadas psicanaliticamente, mas que seja para nós diretamente proveniente de nossa orientação, do trabalho teórico e clínico, porque senão não é muito interessante.

Nós sabemos bem o que fazer nesses casos onde precisamos responder com termos do DSM – a gente muitas vezes escolhe: outros!

E ai está onde então chegamos, vocês vêem que temos esse primeiro ponto é o desenlaçamento de RSI. Podemos dizer que verdadeiramente é a esquizofrenia em todos os seus estados, em termos de classificação psiquiátrica, mas nós incluiríamos aí o que nós chamamos de psicose ordinária. Eu não vou falar muito disso, pois é um capitulo em si, mas é com certeza interessante.

Depois temos o nó a três não borromeano, ou seja, um nó do tipo olímpico e depois temos as suplências borromeanas. A nomeação do real é a angústia, isto quer dizer que é o real que de alguma forma, por um fenômeno de bricolagem, se mantém com os dois outros. Da mesma forma para o simbólico é o sintoma, e igualmente para o imaginário e é a inibição.

E depois temos o enlaçamento a quatro – esse é o caso Joyce que Lacan comenta no Seminário 23. E por fim a continuidade entre simbólico, real e imaginário que Lacan situa do lado da paranóia.

É absolutamente um working progress, não é de forma alguma algo estabelecido, demonstrado, de jeito nenhum. É um trabalho que iremos completar, testar, transformar pouco a pouco a partir de nosso aumento de casos triados e trabalhados.

Então para concluir, eu falei muito do que permite fazer um diagnóstico a partir da teoria, e na verdade essa nunca é a única maneira que temos para fazer um diagnóstico. Temos também outro elemento que nos serve para fazer um diagnostico – é a modalidade da transferência, ou seja, o tipo de laço com o Outro que o paciente estabelece no tratamento analítico.

Eu vou dar um exemplo bem simples para ir rápido: Se você tem a impressão de que existem algumas perguntas que você não deve fazer em hipótese alguma, isso te dá uma indicação diagnóstica. Se a modalidade da transferência se torna, outro exemplo, extremamente erotômana, isso dá também uma indicação.

Na verdade, quando trabalhamos em supervisão sobre um caso em tratamento, somos levados a evocar o porquê dissemos isso, o porquê fizemos aquilo e por conseqüência há na prática analítica quase que um saber não sabido da estrutura, ou seja, difícil de formalizar, de objetivar, mas sobre o qual nos orientamos, por exemplo, para não fazer uma interpretação, para não levar para tal ou tal direção.

Se refletirmos seriamente sobre o porquê fizemos isso e por que não aquilo, ou iremos considerar que não estávamos à altura, ou que fizemos um erro. Agora se isso é algo que se repetiu várias vezes, então provavelmente é que nós percebemos alguma coisa que com certeza não somos capazes de formalizar na modalidade da relação com o Outro do paciente.

Então, se vocês quiserem, nós temos para estabelecer um diagnóstico, que é uma ferramenta do trabalho terapêutico, ou seja, uma ferramenta para não fazer besteira, duas vias: a via teórica, e a sua retomada é muito pertinente, e temos então a análise, em particular na supervisão, das modalidades da transferência estabelecida pelo paciente. E é isso é o que eu posso dizer a vocês sobre o diagnóstico.

 

Rômulo F. da Silva – Eu queria agradecer a comissão organizadora desse evento que parece que trabalhou bastante. Eles estão aqui desde as duas horas e continuam com uma atenção realmente fantástica.

Quero agradecer a presença do Oki, superintendente do Candido Ferreira, a tradução de Terezinha e principalmente essa conferência fantástica de Marie-Hélène Brousse, quero agradecer não só a conferência, mas a presença dela aqui em Campinas, e todo o resto da semana em São Paulo.

Eu achei muito importante a maneira com que você desenvolveu o tema e colocou ao mesmo tempo pontos de esclarecimentos e instigou exatamente naquilo que é minha pratica cotidiana, principalmente quando você marca a questão do controle, da supervisão.

A dificuldade que é trabalhar com supervisão na Saúde Mental onde dentro de uma equipe nós não temos toda a equipe, todas as pessoas que trabalham na equipe com uma formação ou interesse mesmo numa certa teoria, numa certa prática, no caso a psicanálise de orientação lacaniana.

Então essa dificuldade de trabalhar o diagnóstico, quando os elementos que uma equipe utiliza para fazer um diagnóstico não se parecem nenhum pouco com os elementos que a psicanálise utiliza. Então, como às vezes é necessário de certa forma fugir das categorias e falar mais duma maneira de como o sujeito, o paciente, se coloca diante de uma situação ou de outra sem tocar na categorização ou na classificação propriamente, principalmente porque a nossa categoria freudiana e lacaniana no primeiro ensino coincide nominalmente com a categoria psiquiátrica – psicose, neurose e perversão.

Então a dificuldade que é normalmente trabalhar nessa via, de colocar o diagnóstico como um instrumento, como ferramenta, mas que a partir dessa colocação, que é a ferramenta do trabalho, é necessário para trazer os elementos que sustentam essa mesma ferramenta. Na Saúde Mental muitas vezes não há o interesse por esses elementos, e daí a dificuldade: Como fundar esse interesse pelos elementos importantes de inclusive discordância diagnóstica.

Então, esse é um primeiro ponto que eu queria colocar e se você concorda que de qualquer maneira essa experiência da supervisão, mesmo quando não há o interesse teórico, um estudo e mesmo quando não há uma análise pessoal é uma via de formação analítica que o praticante acaba se envolvendo e claro vai depender dele se engajar nisso ou não, é uma porta da formação analítica, se você concorda com essa maneira que eu tenho de pensar.

Outro ponto que também me parece interessante que de certa forma eu captei da sua fala é, no cotidiano, como às vezes eu posso utilizar dos criterios diagnósticos da psicanálise, e mesmo fazer o diagnostico psicanalítico, o diagnostico de estrutura e a partir daí orientar, por exemplo, um tratamento medicamentoso.

Bom, quem me conhece aqui na prática da supervisão sabe que eu não acompanho toda a revolução medicamentosa, a farmacologia que aparece a cada dia com uma droga nova prometendo tratamentos milagrosos, mas como, não a partir do fenômeno, ou da constituição de uma síndrome, como o DSM propõe, mas a partir da estrutura dos elementos que você nos trouxe de uma maneira muito clara, muito tranqüila, a partir desses elementos, indicar um tratamento medicamentoso, mas que as vezes isso cria também um certo problema nas discussões das equipes de saúde mental de se questionar como que um diagnóstico estrutural vai orientar um tratamento medicamentoso que se baseia no diagnostico estatístico.

E para terminar, uma última coisa que também me chamou a atenção na sua fala, quando você deu o exemplo de onde se está, quando você falou ou deixou escapar um – mais, você disse “se você esta mais do lado da foraclusão”, esse mais me intrigou um pouco, porque é claro que a gente pode pensar na forclusao generalizada, mas não era disso que você esta falando, você estava se referindo à foraclusão do nome do pai, então do que se trata aí esse mais?

Vou ficar por aqui e depois se possível retorno.

 

MHB- Sobre a supervisão aí como um dos elementos de formação analítica eu estou talvez de acordo com você, é um dos elementos essenciais da formação analítica. Aí também o novo movimento desde 2000 com a multiplicação de instituições psicanalíticas modificou também a supervisão, porque anteriormente era mais uma relação com um analista que escolhíamos como supervisor e agora é muito mais pequenos trabalhos de supervisão de grupo e discussões, debates de grupo que não tinham lugar antes, no nosso meio de qualquer forma, e que são extremamente fecundos.

Isso demonstra a fraqueza de nossa categoria, pois se tivéssemos categorias tão claras como os marcadores sanguíneos, não haveria debate. O debate existe pois os fenômenos clínicos sobre os quais trabalhamos são fenômenos clínicos bastante difíceis de evidenciar. Isso dá lugar a debates que são muito interessantes, enfim, isso pode nos acontecer, justamente, eu tomo um exemplo de apresentação de doentes. Somos três entrevistadores e rodi ziamos, e temos às vezes opiniões diferentes.

Porém, como não temos a possibilidade de uma continuação, já que são internações e em geral é a realidade que decide, damos razão então ora a um ou a outro. Isso é encorajador, pois inclusive não podemos dizer qualquer coisa.

Foi essa a impressão que tive quando estive em Columbia, pois era uma paciente esquizofrênica que teve inúmeras internações e o tempo todo a estratégia do psiquiatra e do psicoterapeuta era uma estratégia que consistia em convencê-la a voltar viver na casa de sua mãe.

O diagnóstico de esquizofrenia estava claro para todo mundo, para um psicanalista ou para um psiquiatra, para todo mundo, mas o que não estava claro para todo mundo era, o que estava dito, contido no que dizia a paciente, o que convém escolher como estratégia terapêutica e a posição deles, que deviam estar apoiadas em questões teóricas e econômicas eu acho, talvez sociais, era a de que ela voltasse viver na casa de sua mãe.

Eu não me lembro muito bem, pois isso já faz algum tempo, mas foram três ou quatro vezes que ela retornava e três ou quatro vezes que foi pelo bombeiro ter chegado a tempo que ela não enforcou sua mãe.

Então eu considerei que essa não era uma boa orientação terapêutica. Tivemos então uma discussão, eu tinha tentado entender o porquê eles estavam indo nessa direção ao invés de mandá-la para um apartamento terapêutico, um hospital-dia, não sei, uma instituição e na verdade, era porque, de todo modo era isso que dizia um dos professores Psicólogos, para decifrar seu caso, apesar do diagnóstico de esquizofrenia, eles decifravam seu caso com critérios edipianos.

De fato, na entrevista que ela teve comigo a paciente disse – eu tinha perguntado de onde ela tinha vindo, e ela me disse “I was born in Vietnam” (eu nasci no Vietnã). Eu sabia muito bem que não era verdade, ela nunca tinha saído de Nova York, bom, eu mudei de assunto.

Mas durante a discussão do caso, o professor psicólogo disse o seguinte: Ela te disse que ela nasceu no Vietnã, ela tem tal idade, ela nasceu, portanto, durante a guerra do Vietnã, e podemos supor – o que a gente jamais vai fazer – podemos supor que seus pais brigavam e que na casa dela era o Vietnã, o que se apóia em que? Sobre a sua capacidade de metaforizar, a capacidade do psicólogo!

Na estrutura neurótica sem nenhuma dúvida! Porém a razão pela qual ela disse que ela nasceu no Vietnã, eu não a conheço. Sem dúvida que se fosse uma paciente que eu já tivesse visto várias vezes eu teria procurado saber de qual contexto isso vinha, mas não um contexto de sentido edipiano.

Então a conseqüência de debates, de discussões permite ver que a psicanálise, mesmo se ela não é uma pratica cientifica, ela é mesmo assim uma prática racional, pois podemos demonstrar a falsidade de uma posição teórica e terapêutica.

Agora sobre o problema medicamentoso (haverá alguns artigos sobre esse assunto na próxima Entrevários e eu recomendo a todos que leiam), enfim, os psicanalistas não são inimigos dos medicamentos!

Eu nesse assunto só posso falar da minha posição, eu não sou médica, portanto eu não sou muito competente para os medicamentos. Mas eu percebo que existe uma grande diferença entre os antipsicóticos e os outros e em certos casos já me aconteceu de pedir insistentemente a um paciente que tomasse antipsicóticos quando eu tinha a impressão de que isso estava em jogo ou que seu sofrimento psíquico fosse tal que não era mais possível.

Eu tenho uma posição mais do caso a caso para os medicamentos que eu chamaria de conforto – antidepressivos, ansiolíticos… Eu não tenho nada contra, mas não me parece vir da mesma necessidade, mas isso pode às vezes ser uma utilização interessante para alguns sujeitos, e há também muitos sujeitos que não querem e os psiquiatras com os quais trabalhamos sabem que tomar o medicamento é sempre ter que uma negociação.

Mais, mais do lado da foraclusão, não é bonito, foi muito mal ter dito isso! Ou há foraclusão ou não há foraclusão! Mas para tentar não ser completamente criticável, eu diria que a primeira e a segunda clínica de Lacan podem se caracterizar como uma clínica da descontinuidade na primeira e mais do continuum na segunda. Existem sintomas obsessivos que encontramos na paranóia, o TOC – vemos freqüentemente sintomas obsessivos compulsivos na psicose, há também sintomas histéricos na psicose, então é mais um continuum em relação à fenomenologia sintomática, mas que não é o caso quando nos referimos ao nó estrutural.

Na segunda clínica de Lacan, o traço obsessivo, o traço narcísico, o traço histérico podem bem ser a bricolagem que permite os três círculos de se manterem unidos. É exatamente o caso Joyce, tal como Lacan retoma a partir de fenômenos de exterioridade em relação a seu corpo, o imaginário vai embora, e Lacan evoca a criação de um ego que vem reatar os três que estavam desatados, o ego como um modo de se fazer um nome.

Agora, a pluralidade do nome do pai, como um outro retorno a Freud, você tem totalmente razão. Isso faz pensar sobre o laço fundamental da elaboração de Lacan sobre Freud – é seu parceiro, e isso permanece até o fim. Simplesmente ele não está mais na mesma posição, ele é mais livre na sua leitura de Freud, francamente subversivo.

Vocês sabem, tem um grande texto de Lacan, Kant com Sade. Sade vem dar a verdade dos homens, é divertido porque é o libertino que vem dar a verdade do grande moralista. Podemos dizer talvez que como Kant com Sade, aqui seria Freud com Lacan.